terça-feira, 30 de novembro de 2010

Metalinguagem

Quando dói muito, eu escrevo compulsivamente. Eu fico pensando, sentindo tudo revirado por dentro e acabo escrevendo para me compreender, para me perdoar, para me conhecer. Escrever me faz bem, me é terapêutico, me faz reconhecer o que dói, o que eu aguento, o que eu quero... Escrever me permite colocar as coisas sob uma perspectiva melhor de ser vista, mais distante, mais tranquila. Eu escrevo remoendo, repensando, revivendo até. Escrevo porque não cabe aqui dentro, porque é explosivo, porque é erupção. Escrevo quando é insuportável, quando simplesmente não consigo calar ou refletir sozinha. As palavras saem de mim como se psicografadas, em uma rapidez nada contemplativa ou reflexiva. Vêm de supetão. E, quando dou por mim, já enchi a tela branca inteira. Escrevo somente sobre o que sei, sobre o que sinto, sobre meu olhar, sobre o que interiorizo do mundo e das pessoas que me cercam. Escrevo somente aquilo que vejo e aquilo que pulsa, que reverbera dentro de mim. Não há objetivo algum, não há pretensão messiânica, não há o desejo de mudar o mundo. Escrevo por e para mim. Ato egocêntrico, egoísta até. Ato desvairado e, muitas vezes, incompreendido. Ato que, vezenquando, faz com que surjam pedras nas minhas vidraças, dedos apontados para minha cara,  e um disse-me-disse sem fim. É um preço até pequeno pelo bem que me faz, pelos amigos que me trouxe, pela compreensão de mim mesma que alcanço nesse processo de exorcismo. Eu escrevo porque é o que eu sei fazer para lidar com meus dilemas, minhas dores, meus amores. Eu escrevo porque eu tenho afeição por palavras, pelas singelezas que elas são capazes de produzir. Escrevo porque é registro, porque é eterno, porque é marco no meu processo de amadurecimento. E quando dói demais, eu escrevo.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mais do mesmo

Sabe quando se está a poucos metros da linha de chegada e, mesmo exaurido pela corrida toda, você se sente aliviado por ver o fim ali tão próximo?!?! Sabe quando se sobrevive a um naufrágio e depois de alguns dias nadando em alto mar, finalmente, se consegue ver a costa?!?! Sabe quando depois de várias horas em trabalho de parto a criança simplesmente nasce?!? Sabe quando se é tomado pela sensação de alívio e paz depois de um período longo de angústia e dor e sofrimento?!?! Pois bem. Era exatamente assim que eu me sentia até ontem. Era essa sensação de que pronto, acabou. 2011 estava ali batendo na minha porta e, enfim, esse 2010 triste, pesado, doído estava indo embora.

Mas aí, vem a rasteira, vem o baque, vem essa dor em erupção de novo, vêm essas lágrimas que não consigo conter, vem esse peso nos ombros, essa sensação ruim de que nada nunca mais vai ficar no lugar, essa dor de barriga que teima em me afligir como se fosse o janeiro trágico em replay. Vem na cabeça a imagem da minha amiga parecendo um farrapo humano, dobrada, envergada por essa dor, com olhos perdidos, dopada e a vaga ideia de como eu estava naquele dia de janeiro. Vem junto uma sensação de vazio, de que não passa, de que não cura, de que é impossível superar porque a vida traiçoeira sai pregando peças para me lembrar do quanto dói.

O choro rompe meu peito e sai despedaçado, cortante, crispado, quase impossível de controlar. Eu choro como se janeiro fosse, eu choro como se fosse comigo de novo. Eu choro porque eu não consegui dizer nada que confortasse minha amiga, que agora carrega consigo o peso da mesma palavra: viúva. Eu choro para esvaziar a falta que eu ainda sinto dele, para secar de novo, para limpar esse buraco que nada preenche, esse buraco-cicatriz que não para de sangrar. Eu choro sem ombro, sem mão, sem companhia, sem ele. Eu choro por mim e por ela, por estes tristes desígnios de duas mulheres que viviam a felicidade. Choro por esta revolta aqui dentro que não passa, essa irresignação, essa avalanche de sentimentos...

Eu queria poder dormir agora e acordar em 2011. Eu queria fugir dessa puxada de tapete. Eu queria rir da piada de humor negro, receber um" tcharã! brincadeirinha!" que me fizesse ter ódio do palhaço mas me devolvesse a sensação de que não-é-nada-disso-que-você-está-pensando. Eu queria um motivo para acreditar de novo, porque tá ficando difícil. Eu queria de volta as pessoas que me tomaram este ano. Eu queria retroceder. Eu queria ser feliz daquele jeito torto. Eu queria continuar escrevendo uma história de trás pra frente. A minha história, cheia de vacilos e perdões, cheia de amor e de compreensão, cheia de alegria. Eu não queria estar aqui neste momento e eu não queria viver nem ver isso acontecer comigo nem com ela nem com ninguém.

E, se essa dor que me arrebate agora não for embora logo, eu só peço paciência e um pouquinho de compreensão. É que quando eu achava que nada mais poderia acontecer no pior ano da minha vida...

DOR

Quando eu digo para 2010 terminar logo, a vida vem me mostrar que eu tenho muito que aprender, que não sou eu que mando em nada e que as surpresas, assim como as dores, são inevitáveis...

Domingo tranquilo, voltando de uma festinha de Natal com os pais e as crianças da turminha do Matheus, recebo um telefonema desesperado de uma amiga de escola, contando que o marido de uma das sete, daquela que casou mês passado, daquela que tava no auge da felicidade, havia falecido. A gente não sabia a causa, a gente não sabia como, mas a gente sabia o que precisava saber. E eu sabia que, embora estivesse com tudo revirando dentro de mim, revivendo o janeiro trágico, sentindo de novo aquele rebuliço por dentro, eu sabia que tinha que correr para onde ela estivesse só para dar um abraço apertado e dizer que eu sabia o que ela estava sentindo, sabia que parecia partir ao meio, mas que é possível viver depois disso.

E foi exatamente isso que fiz. Deixei os pequenos em casa com a Lalá e corri para o velório. Fui a primeira da turma a chegar e, assim que cheguei, soube logo que ele sofrera um acidente no autódromo, enquanto corria de kart. Assim que ela me viu, ela disse: "Ow, minha amiga, me diz como você aguentou porque dói demais! A gente tava tão feliz. A gente fazia tudo junto... Por que, Marcele?". E eu não consegui falar nada, só chorar, chorar, chorar abraçada a ela. O meu janeiro trágico se repete agora num novembro para ela.

Ver alguém que a gente quer tanto bem perder o chão, o rumo, o prumo, metade da vida que escolheu para si, o sentido de quase tudo, me faz entender que essa vida não faz sentido. Eu não consegui, na minha tragédia, encontrar uma só razão plausível. E, mesmo tendo desistido de encontrar, eu não consigo me convencer nem de que a missão dele estava cumprida, até porque eu acho que o que ele podia fazer no futuro era muito mais do que ele já havia feito. É devastador, é enlouquecedor, é definitivamente uma DOR por que ninguém deveria passar.

Enfrentar esse processo todo, agora como espectadora, me faz refletir demais sobre esse momento da perda. Ela também estava com a aliança dele na correntinha do pescoço, ela também trouxe um paninho para colocar dentro do caixão, ela também tinha um olhar perdido para o mundo ao redor, ela também precisou de medicamentos para suportar, ela também relutou em acreditar (embora tivesse assistido ao acidente no autódromo), ela também queria saber porque, ela também se sentia perdida e sozinha no mundo... E eu imagino que tantos outros questionamentos e sentimentos que eu tive devam estar permeando o pensamento e o coração dela.

Segurar a mão dela nesse momento é voltar ao dia um. E, muito embora eu não seja mais protagonista, a dor que me toma é tão grande quanto. É a dor de quem sabe o quanto dói. É a dor de quem passou por isso. É a dor que não cicatrizou e que eu nem sei se vai, algum dia, cicatrizar. É dor e ponto final.

PS: Força, Ju!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Já vai tarde

Lembro bem de dizer, lá no janeiro trágico, que a única coisa que eu esperava desse ano era que ele acabasse logo. Eu queria chegar ao depois disso, eu queria poder me afastar disso, desse processo todo, e dizer que tinha conseguido. Porque disso eu tinha certeza. Eu ia conseguir. Não sei se era exatamente assim e sei que, muitas vezes, essa certeza se afastou de mim. Mas, de algum modo, eu sabia que sobreviveria. Eu queria o distanciamento temporal que permite dores mais amenas e saudade mais tranquila, certa nostalgia, aquele suspiro pelo que se foi e não volta mais. Eu queria dormir e acordar em 2011. Sim, a barra foi pesadíssima (ainda está sendo pesada agora). E eu queria só sobreviver e apertar o botão para pular logo esse capítulo. 2010 foi avassalador, foi transformador e foi muita dor. Eu queria sobreviver, eu queria superar, eu queria passar por isso rápido. Até porque eu não faço o tipo que se entrega, que faz corpo mole, que se faz de coitadinha... Eu queria terminar logo esse ano e sair dele andando, em pé. Eu não queria chegar aqui me arrastando, deprimida, cabisbaixa, sem chão. Eu quis tanto, tanto que esse ano acabasse rápido que, agora, quando eu vejo no calendário DEZEMBRO chegando, uma sensação de alívio toma conta de mim. Vai-te embora, pior ano da minha vida! E já vai tarde!

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Me papocando de rir com o Matheus XVII

- Mamãe, conta uma historinha pra eu dormir?
- Claro, meu amor. Era uma vez um menino liiindo, muito esperto, muito inteligente, muito legal, que tinha uma família que gostava muito dele, que tinha DVD, Sky e video-game no quarto, que tinha uma piscina..
- que tinha uma NAMORADA!
- HÃ?!?!?!
- É, mãe, se ele tinha tudo isso, ele tinha que ter uma namorada como todo menino grande!
- Você tem namorada, Matheus?!?!
- Ainda não.
- Não mesmo?
- É que eu tenho que ficar "mais grande" (sic).
- Mas você gosta de alguém?
- Gosto (morrendo de vergonha e com os olhos fechados).
- Quem é essa menina, Matheus?
- Ah, mãe, eu não posso falar. É segredo.
- Mas, Matheus, nenhum filho pode ter segredo para mãe... As mães têm que saber tudo...
- É a Mirella (morrendo de vergonha e com os olhos fechados)².
- Você gosta muito dela?
- Gosto. Eu até já sonhei com ela.
- Como foi esse sonho, meu amor?
- Ah, é que eu levava ela para o planeta do Sharkboy e da Lavagirl na minha espaçonave e a gente brincava muito com eles dois.
- Entendi.
- Mãe, quando eu crescer eu vou casar com a Mirella.
- Tá bom, Matheus, quando você CRESCER, você escolhe uma menina e decide.
- Mas, mãe, eu já escolhi e já decidi.
- Tá bom, Matheus.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Desistindo

"Há dias que tento encontrar as melhores palavras pra explicar o que eu não consigo desenhar, tento entender uma batida desenfreada que encontra esperanças onde não há. E, mais ainda, pensa que pode esperar. Mas o que meu pobre coração ainda não entendeu [ou, se entendeu, faz questao de não transparecer] é que eu não consigo prender o ar durante muito tempo. Eu preciso dele, preciso respirar." (From: Rainha de Copas)
 
Não adianta mesmo eu querer me enganar, porque a realidade me assalta, me pega de supetão, me vira do avesso e abre crateras no chão. Não adianta mesmo fingir paciência, calma, tranquilidade, porque todo mundo conhece essa ansiedade, essa angústia e essas unhas roídas até o tronco. Não adianta nada segurar a respiração como se fosse possível pausar o momento, o tic-tac do relógio tem ritmo próprio e não pára nunca. Não adianta fechar os olhos para não ver o clarão, o cérebro é arma poderosa e entende a luz até mesmo quando nos falta a visão. Não adianta se esconder num cantinho que parece porto seguro e abrigo, quando bombas atômicas caem ao redor. Não adianta engolir as palavras que se pretendeu dizer, porque o essencial não cabe nelas e toda a prolixidade que lhe é peculiar ainda não conseguiria expressar a vastidão. Não adianta ler ao contrário, ler entrelinhas, ler a linguagem corporal, ler o não-dito; quando não há sentimento lá dentro. A esperança é um bicho muito estranho que se agarra a um fio de algodão para fazer rapel, achando que ele vai suportar todo seu peso e o peso de todo seu desejo, de todo seu querer. A esperança insiste em bater quando nem há mais portas para isso. A esperança acha que sabe esperar e, esperando, desmaia hipoglicêmica. Porque é preciso que seja doce para superar a dolorosa espera pelo momento certo que não chega nunca. A esperança espera "pacientemente", batendo o pé no chão, olhando para o relógio a cada cinco segundos e ansiando para que a porta se abra e a chuva enfim regue todo o jardim. A esperança não cansa, mas a cabeça, sim. E entendendo, de uma vez por todas, que não, que nunca, que jamais, se levanta e vai embora, arrastando a esperança pelo chão.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Certezas

Eu sei que nesse processo todo por que passei é normal, muitas vezes, se sentir perdido. É normal, vez em quando, ter a sensação de naufrágio, de vazio, de que puxaram o tapete. Eu sei que, algumas vezes, eu simplesmente não sei o que fazer e não me sinto segura com a opinião e a ajuda de seu ninguém. Eu sei que há dias em que eu sinto mais pesado, mais doído, mais triste, I feel blue. Sei que tenho aqueles momentos de olhar para o nada e achar que o futuro não tem mais graça alguma. De pensar que morrer agora, jovem assim, é até atraente. Porque, né?, vou reencontrar quem eu perdi. Penso que não tem mais sentido algum ser feliz e sorrir, vezenquando. Mas eu queria saber como é que eu posso, tendo vivido isso tudo e tendo estas sensações cotidianamente, como eu posso ter tanta certeza sobre algumas coisas? Como eu posso achar que elas são o meu caminho, que eu sei exatamente o que fazer e me sentir tão segura em relação a elas? Coisas que deixam meus dias mais leves, me trazem novas perspectivas e me fazem sorrir. Coisas que fazem com que eu me sinta viva de novo e com brilho no olhar e com esperança no futuro e feliz. Coisas que caem no colo como que caídas do céu e trazem essa sensação de paz, de caminho certo, de tudo no seu devido lugar, de arranjo cósmico. Como eu posso ter essa sensação de certeza em relação a elas, se não estou certa sobre mais nada na vida? Como eu posso acreditar que sim, que é isso mesmo, se eu mesma estou ainda confusa e perdida? Como eu posso acreditar nelas, confiar, apostar se eu nem sei se essa certeza que eu sinto procede? E aí eu mesma descubro que me baseio nas batidas do coração que tais coisas provocam, no tumtumtum que diz em alto e bom som que é isso aí, que é isso mesmo. Quando o coração bate assim, ele simplesmente não pode estar enganado. E eu vou levando a vida, ouvindo e confiando nas certezas que batem no peito.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sorrindo com Matheus XVI

Descemos no domingão para a piscina do prédio. Alguns vizinhos também aproveitavam o sol. Eu tava no meio da piscina, segurando o Thomás, que não possui equilíbrio para ficar sozinho. Matheus já se vira e estava na borda se preparando para dar um mergulho. Eu percebi que ele tava segurando a "pinta" e disse, em voz alta, na frente das pessoas:

- Matheus, se quiser fazer xixi, o banheiro é ali ó.
- Mas mamãe, aqui é cheio de plantinhas!

Currículo

Eu nunca quebrei nenhum osso, mas levei uma queda quando criança que fez meu dente permanente entrar de novo na gengiva.
Eu não dava trabalho para ir à escola, muito pelo contrário, ficava triste nas férias porque não encontrava minha turminha (aliás, amigos até hoje).
Eu nunca deixei de estar no quadro de honra do colégio; e, na terceira série, escondi uma prova de matemática em que tirei 3,5. Minha mãe queria tirar satisfação na escola porque minha média no boletim estava errada, mas eu não deixei e contei a história para ela muitos anos depois.
Eu nunca fumei nada. Nada mesmo. Mas cheirei lança algumas vezes. Memoráveis vezes, devo admitir.
Eu não sei mentir direito, o que implica que eu não sei fingir que gosto se não gosto.
Eu não sei ser melhor amiga de pessoas que acabei de conhecer, muito embora conte minha vida toda depois de me sentir íntima.
Eu pesei 45kg durante aaaanos e eu tive muitos apelidos carinhosos na infância e na adolescência, como: mastro, Olívia Palito, vara-pau, sibite baleado, seca do 15...
Eu tive cinco namorados na vida. Nem sei se algum deles lê isso aqui. Mas eu me sentia mais inteira, mais feliz, mais sortuda, mais mulher, mais perfeita com o último.
Eu passei por muitas fases na vida e, em todas, tive ótimas companhias. Muitas delas, permanecem na minha vida, porque eu não abro mão dos meus. Eu sou aglutinadora e fiel.
Eu não sei cantar, mas eu adoro fingir que canto mesmo assim. Eu decoro letras de músicas e versos com facilidade e depois faço associações destes com as situações do meu dia. Acontece uma coisa e eu penso numa trilha sonora.
Eu sei dançar e gosto do negócio, dei aula de forró nas priscas eras; mas agora o fôlego não é mais o mesmo de antes. Se bem que eu bem que podia voltar, né?
As pessoas dizem que eu sou espirituosa, que meu humor é inteligente e ácido e que eu faço chacota comigo mesma. É tudo verdade.
As pessoas dizem que eu sou forte, decidida, determinada, persuasiva, austera. É tudo mentira.
Eu não sei fazer cálculos e sempre odiei com todas as minhas forças química. Dizem que advogados só precisam saber calcular dez por cento, so that's me!
Eu leio muito, tudo, rapidamente. Vários e vários livros em fila de espera, mas nunca mais de um ao mesmo tempo. Quando me perguntam o que me dar de presente, eu digo: livros! Bom, pode ser maquiagem também. Ambos me farão muito feliz!
Eu não sei ser outra coisa que não otimista, positiva e esperançosa em relação a tudo na vida. As puxadas de tapete, portas e tapas na cara que levei só me fizeram perceber que isso é característica da minha personalidade.
Eu posso ser refinada e plebéia dependendo da companhia, do dia, do tempo, do lugar. Eu consigo conviver perfeitamente bem com as várias de mim que moram aqui dentro. 
Eu não gosto de cozinha nem de trabalhos domésticos, mas tenho cer-te-za de que herdei dotes culinários da mamãe. Sabe mão boa? Eu tenho.
Eu não gosto de salada nem de comidas leves e naturais. Meu negócio é pão-pizza-massa e tudo mais que engorde, mas eu não sou fã de doces. Acho que é isso que me salva da obesidade mórbida.
Eu já dormi em casa de pescador em Jeri, num quarto de 2m² com mais quatro amigos, num reveillon inesquecível.
Eu sempre durmo de maneira vexatória em viagens de avião, acordando muitas vezes depois de babar e cochilar por horas no ombro de um desconhecido.
Eu já saí de casa para uma balada sem ter como voltar, nem dinheiro para isso. E cheguei em casa muito depois da hora do almoço porque voltei a pé.
Eu já briguei com namorado em público, eu já caí em apresentação de dança na abertura do festival, eu já caí e machuquei o pulso atravessando rua, eu já bati salve todos na brincadeira de esconde-esconde e caí no chão em seguida, esbaforida de tanto que corri.
Eu já chorei de soluçar no cinema, assistindo Titanic, no São Luiz do Centro, depois de umas duas horas de fila no sol quente. Eu já chorei de soluçar assistindo Grey's anatomy. Eu já chorei de soluçar escondida no banheiro. Eu já chorei de soluçar muitas vezes na vida.
Eu já mandei recadinhos do coração no rádio e ofereci música. Eu já contratei aqueles carros de Loucuras de Amor. Eu já pedi pra voltar depois de ter dito que não voltaria nunca. Eu já disse não, quando o que eu mais queria era dizer sim. Eu já disse que entendia quando eu não entendia porcaria nenhuma. Eu já perdoei quando era imperdoável. Eu já abri mão e senti faltar o chão sob os pés. Mas eu nunca me arrependi.
Eu já saí cedo e voltei quando o sol raiou. Eu já me arrumei toda e esperei sentada, e cochilei, e me descabelei por quem ficou de vir e até hoje não apareceu. Eu já dormi grudada no telefone. Eu já fiquei no telefone conversando por tanto tempo que não tinha mais força nem para segurá-lo.
Eu nunca namorei alguém que tenha conhecido virtualmente. Mas eu tenho vários amigos virtuais. Muito do meu mundo gira aqui na tela do computador.
Eu morei no mesmo lugar a minha vida inteira e a primeira mudança que fiz de verdade ocorreu agora, quando vim para a casa nova.
Eu não sei colocar as coisas nos seus lugares. Eu não sou organizada, e me estapeio com a minha verve indisciplinada para ter controle sobre tudo de que preciso dar conta.
Eu só digo uma coisa: um dia, eu vou estar à toa...
 

sábado, 20 de novembro de 2010

Dez meses

Faz dez meses que o mundo virou de cabeça pra baixo. Faz esse tempo todo que eu ando com a vista empoeirada, sem conseguir olhar direito para o que me cerca, nem encher o pulmão de ar puro. Faz dez meses que eu ando meio perdida, tateando no escuro. E, nesse tempo, as certezas que eu tinha sempre foram precedidas por "não". Eu soube desde o primeiro momento o que eu não aguentava fazer, o que eu não suportava, o que eu não queria, o que eu não era capaz... Se me perguntassem o que eu queria, o que faria ou o que eu suportava; eu não sabia. Acho que ainda não sei. Mas eu sempre soube todos os nãos.

Saber o que eu não queria e o que eu não aguentava foi muito bom nesse processo todo. Ajudou muito nas escolhas dos caminhos que segui. Mas não foi só isso. Eu também fugi de tudo aquilo que me causava a dor. Claro que eu só podia fugir do que estava sob meu controle. Foi assim que eu passei a maior parte das datas comemorativas do ano. Foi assim que eu me desfiz das roupas e sapatos dele (cinco meses depois). Foi assim que eu tirei a aliança do dedo. Pode parecer tapar o sol com a peneira, porque ano que vem as datas se repetirão, as fotos permanecerão e eu vou topar com muita coisa dele pelo meu caminho ainda, inveitavelmente. Mas ó, com quatro meses dói muito mais que com um ano e quatro meses. Foi assim que eu consegui: escondida do foco de dor.

Todavia, se me perguntassem agora o que me manteve de pé, eu acho que foi mesmo essa vontadezinha aqui dentro de mim de ser feliz. Ainda que sem ele. Ainda que tendo sobrevivido ao meu pior pesadelo. Ainda que com uma saudade que mais parece uma doença. Ainda que com um peso enorme nas costas. Ainda que tudo. Alguém me mandou, num comentário aqui do blog, uma passagem do filme "PS: Eu te amo" em que o cara fala que ela foi toda a vida dele e que ele será só mais um capítulo na história dela. E é assim que eu penso. Ainda tenho muitas outras páginas a preencher. Pode ser que este tenha sido o capítulo mais feliz da minha existência inteira, mas virão outros e eu quero estar inteira, aberta e pronta.

O que mais ouvi nestes dez meses foi que eu era muito nova para passar por tudo isso. Sou sim. Sou mesmo. E, embora eu tenha perdido muito, ganhei auto-conhecimento, auto-confiança, perspectiva do que realmente importa, visão maior de mundo e das pessoas que me cercam. Ganhei amigos novos e usados e herdados. Ganhei liberdade, não no sentido de poder fazer o que quiser. Mas ganhei essa sensação de que poucas coisas na vida poderão me fazer sofrer mais que isso, então, por que não tentar?

Pode parecer loucura: mas foi quando eu me despedaçei em caquinhos que eu me tornei mais inteira. E isso me faz muito melhor hoje. Não sei ainda se há alguém no comando, nem sei se essa tragédia tem uma razão de ser; mas eu sei que passar por isso vai me tornar mais capaz ainda de ser feliz, do jeito que eu quero: no superlativo máximo possível.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Emocional

Então, que a gente se mudou para o apê novo. Os pequenos enlouqueceram com o quartinho novo, com os brinquedos, com a casa inteira. Aliás, com o prédio todo e a área de lazer bacana que nos motivou a comprá-lo. Eu já comentei aqui sobre os problemas constipatórios do Matheus, de que nada dava jeito. Eu já tinha chegado à conclusão de que o problema dele era puramente emocional. Nada fisiológico. Tinha dado tudo de fibras, frutas, reguladores e, no final das contas, acabava tendo de usar "Minilax" a cada 3 ou 4 dias. Pois bem. Entramos no apê novo e a criança está totalmente regular, fazendo o cocôzinho no troninho diariamente. A sensação de alívio que me arrebate é indescritível. Olha aí mais um motivo para eu respirar fundo e exalar o ar com um sorriso nos lábios.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Acontece

No meio do medo e da dor, no meio do sofrimento e da luta diária com leões, no meio do looping da montanha russa; pequenos toques de alento, pequenas demonstrações da presença constante, confiança que crescia como se nascida também estivesse logo após a saída do útero. No meio do turbilhão e de todas as defesas construídas em torno de si a fim de se proteger, de agir de maneira racional, de evitar maiores problemas porque já lidava com coisas demais; havia algo que parecia calmaria, contra o qual não sabia como se defender, com o qual a razoabilidade era argumento de retórica. No meio da escuridão no de dentro de si; havia uma luz que irradiava a certeza de que os melhores dias ainda estão por vir. No meio do pior momento da vida, havia algo que fazia florescer primaveras no caminho por onde passava, fazia com que os dias parecessem sempre verão, fazia o em torno de si ficar colorido e radiante, fazia surgir a sensação de paz. Algo que dispensava classificações e nomenclaturas e terminologias e elucubrações. Algo que, porque espontâneo, era doce, com uma pitada de perenidade, de caminho cruzado, de vidas que se abraçam apertado com desejo de não mais largar. No meio do momento em que a solidão mais pesava, havia uma troca, uma compreensão, uma doação daquele tipo que se faz sem perceber, por querer e com prazer. Havia algo de presente surpresa e encantamento recíproco. Havia algo que possibilitava falar tudo sem precisar dizer nada e entender perfeitamente silêncios e ausências. Havia algo que parecia reconhecimento, espelho, identificação. Havia algo que fazia crescer a vontade de tornar tudo mais leve, com ar de brincadeira, com gosto de superação, com fim de felicidade. Havia algo que dava a sensação de que era tudo mais fácil só porque existia. Algo que cheirava a cuidado e carinho, que aquecia a alma e fazia cócegas no coração. Algo que tornava o riso fácil, terno, doce. Algo que sobrevivia às armadilhas que a racionalidade plantava para tentar (em vão) demonstrar o quanto era impossível. Algo que escapava ileso aos embates com o medo. No meio de tudo e quando a concretude atingiu todos os sentidos, algo transpareceu no olhar, irradiou no sorriso, deslizou pelas mãos, aguçou os sentidos, revelou cheiros e intenções, deixando evidente o que até então estava ressabiado. Porque algo assim é fluído, é líquido e escoa pelas brechas das máscaras e dos tijolos que colocamos como se barreiras fossem. Algo assim sai transformando a vida, iluminando tudo, invadindo espaços, preenchendo os vazios. Depois que surge, traz a percepção de que não pode ser ignorado, esquecido, preterido, amordaçado, aprisionado. É algo do tipo que explode, que transborda, que grita, e que parece possível, mesmo ante todas impossibilidades; parece perfeito, mesmo com tantas imperfeições; parece fácil, mesmo com todas dificuldades; parece certo, mesmo com tantos erros; parece óbvio, mesmo com tantos ocultos. É algo do tipo indisfarçável e que, assim que chega, já se sabe que veio para ficar. Porque quando algo assim acontece, simplesmente acontece.

Feliz

Sabe quando você chega ao lugar para o qual corria faz é tempo? Sabe aquela sensação de ver o nome na lista do vestibular? Sabe ser o primeiro a cruzar a linha de chegada? Sabe quando o Brasil vence a Copa? Sabe quando você encontra uma nota de cinquenta reais esquecida num bolso qualquer? Sabe quando aquele carinha que faz seu coração bater descompassado liga? Sabe o tumtumtum do primeiro beijo? Sabe aquilo que se sente quando se toma conhecimento de que foi promovido? Sabe o sentimento de paz, de cada coisa em seu devido lugar e de que tudo vai dar certo? Somando todas estas sensações, você terá uma vaga ideia do que eu sinto neste momento.

GENTE, eu consegui! Eu tô aqui! E eu só quero é ser feliz!

domingo, 14 de novembro de 2010

Reflexões na casa nova

Acho que é chegado o momento da vida entrar nos eixos. É chegada a hora de parar com as lamentações. É o tempo certo para recomeçar. Tempo exato de parar de olhar para trás como se voltar fosse possível. É chegado o instante do seguir adiante. Até aqui foi muito difícil. Mais ainda quando eu me lembro de ter dito que não queria nada a mais do que aquilo que já tinha, para o resto da minha vida. Agora é diferente. Tendo perdido metade de mim, o rumo que eu seguia, o centro da minha vida e meu norte; ganhei em troca um montão de desafios, de cicatrizes e essa esperança de que tudo vai dar certo.

Sozinha, aqui no escritório do apartamento novo (agora habitável), olhando para as nossas fotos penduradas na parede, eu tenho certeza de que, se eu cheguei até aqui, se eu sobrevivi no olho do furacão, se eu consegui encontrar saídas, pessoas, motivos e compensações; o resto da minha vida será mais fácil do que foi ter de sair do fundo do poço em que a vida me jogou. Mas se não for tão fácil quanto eu espero, torço e desejo que seja, eu descobri que sou muito mais forte que supus e que serei capaz de sobreviver todas as vezes em que necessário seja.

Eu precisei de mais de vinte e oito anos, de ter dois filhos, de perder um marido, de conviver com a ausência, com a morte, com o peso, com o luto, com a dor, para, só então, descobrir quem eu realmente sou e do que sou realmente capaz. Eu precisei ver minha vida de cabeça pra baixo, meu mundo sem chão, meu céu azul virar tempestade para, enfim, reconhecer quem eu tenho do meu lado de verdade. E olha, isso não tem realmente preço. Saber quem somos e com quem contamos não tem preço.

Essa é a primeira noite no apartamento novo. Hoje o dia é de vitória, de comemoração, de beber vinho, de dormir tarde, de curtir o cheirinho de novo, de entrar com o pé direito, de pendurar olho grego na porta (Brigada, cururu!) e de espalhar pimenteiras pela casa. Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida. Hoje é o recomeço. Hoje é dia de ser feliz. Se você que me lê nesse momento, ajudou a mim e/ou aos pequenos de qualquer forma, essa vitória também é sua e eu repito o que disse aqui um sem número de vezes: MUITO OBRIGADA por existir e por fazer diferença nas nossas vidas.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Na estrada

Eu sigo caminhando porque eu tenho esperança de que essa estrada vai dar em algum lugar muito feliz. Não sei que surpresas ainda me ocorrerão; o que as curvas, aclives e declives promoverão em mim. Mas sigo caminhando porque, na maior parte do tempo, as paisagens são bonitas e as companhias são boas. Retroceder é ato de covardia. Parar no meio do caminho é abandonar-se, é acostumar-se com a mesmice, com o tédio. Eu não deixo que o medo engesse meu coração aventureiro; eu não deixo que as rotinas e os costumes me impeçam de arriscar; eu não deixo de acreditar porque me destrocei. Eu sou daqueles tipos que continuam, que levantam, sacodem a poeira e, bem, vocês sabem. Eu vou porque sinto que o caminho me reserva alegria. Eu vou porque eu consigo encontrar motivos para sorrir. Eu vou porque não tenho mais medo do sofrimento, nem da dor, nem da derrota, nem da depressão; porque eles já me visitaram uma vez e eu aprendi a lidar com todos eles. Concomitantemente, se necessário for. Sigo batendo meus saltos no chão, com passadas firmes e trago duas crianças pelas mãos que sorriem comigo e que me fazem olhar lá para o horizonte, onde a estrada se encontra com o céu. É olhando com eles para este ponto que eu percebo que o nosso mundo não se partiu, ele continua conectado. Onde quer que ele esteja, está com a gente, dentro da gente e isso me põe de pé e caminhando. Sigo porque voltar não é opção. Porque pressinto que as trilhas vão me levar até um lugar em que não haverá faltas, buracos, preocupações, tristeza. E, quando eu chegar lá, eu sei que, novamente, não vou querer merecer outro lugar.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Constatações

A delicadeza que abraça. O olhar sereno que compreende. Carinho que mima e promove momentos mnemônicos. As palavras que chegam como afagos oriundas de alguns milhares de quilômetros de distância ou do interlocutor à frente. Pensamentos tão interligados que causam sustos e me-do. Companhia preciosa e permanente e cotidiana e querida. Depois que a concretude atingiu os sentidos, sumiram as dúvidas. E quando a certeza se fez, se fez também a constatação de que outras portas devem ser abertas. Compreensão de que a vida segue e que é cheia de possibilidades outras. Coincidência que surge quando menos se espera.  São perspectivas, probabilidades. Tudo ao mesmo tempo agora. Chove em diferentes locais e a esperança se renova. Chove mais que se esperou e não há mais dúvida. Há que se reconhecer esses momentos porque são únicos. Há que se aproveitar as surpresas boas e as peças felizes pregadas pela vida. Há que se abrir portas e janelas para sorte entrar, para a novidade invadir. Tinha gente batendo faz tempo e a casa fechada para o novo que se mostra disponível. Tinha gente batendo, pedindo abrigo, oferecendo companhia e a porta fechada. Hora de abrir. Hora de recomeçar, de se permitir, de ir em frente. Deixa o sol brilhar e invadir os recônditos mantidos no escuro como que para esconder as feridas. Deixa a vida entrar e fazer redemoinhos na barriga e coração. Deixa, menina, deixa!

Eu deixo.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Nove de novembro

Tem dias mais pesados mesmo. Tem dias que a gente pensa que a dor vai fazer a gente envergar o corpo de novo e fazer poças de lágrimas no chão e encharcar toalhas que abafam gritos incontidos. Hoje foi assim. Abrir os olhos e me dar conta de que eu não estou na nossa casa, não estou com ele, não comprei presente algum, não tem ninguém ao lado e é nove de novembro foi como um soco na boca do estômago. Daqueles que fazem perder o ar, daqueles que fazem você sentir ânsia de vômito, daqueles que fazem trincar os dentes... É como se a falta desse tapas na sua cara a todo instante, querendo deixar muito claro o que não existe mais. É como se a ausência fosse um ferro em brasa crispando a pele para provar que ela existe e que dói. É como se a saudade fosse uma máquina de tortura que não te deixa relaxar, esquecer, parar de doer.

Ainda assim, no meio desse dia em que tudo punge, houve poesia. Houve delicadeza, houve carinho, houve os pequenos cantando parabéns olhando para o céu; houve uma reunião na casa da Vovó Paula (minha sogra) com tanta gente querida rezando por ele; houve crianças soltando balões de gás para a festa que ele deve estar fazendo lá por cima e houve essa enxurrada de lembranças de aniversários anteriores com tantos amigos queridos e muita, muita, muita festa. Não tenho dúvida de que esse carinho não pode se dissipar no ar e que, onde quer que ele esteja, ele viu, sorriu fechando os olhinhos e recebeu como presente todo esse bem querer.

Cartas para você XX

Thi,

Depois da terapia, eu prometi a mim mesma que pararia com o pensamento disfuncional que faz com que eu crie toda uma série de situações conjugadas no futuro do pretérito dentro da minha cabeça, em que cada frase começa com um SE impossível e pesado. Eu sei que eu não devo manter esse mundo paralelo, porque ele representa a comparação injusta e desleal com o presente dolorido de não ter você mais aqui.

Racionalmente, eu sei que não é por aí. Racionalmente, eu percebo que esse não é o caminho para chegar lá, no muito depois disso para o qual eu tenho corrido desesperadamente desde o janeiro trágico. Racionalmente, objetivamente, pragmaticamente são palavras que o coração simplesmente desconhece e nesse nove de novembro vazio, ele faz o paralelo e sente sua falta daquele jeito mais doído.

O coração tem vontade própria e ele planta na minha mente os pensamentos todos de como seria se. E por causa dos inúmeros SEs, eu fico remoendo essa dor absurda, enfiando agulhas de acupuntura nas queimaduras de 3º grau ocasionadas pela sua partida, fico tamponando com bandaids a perfuração arterial, tentando controlar a hemorragia que teima em sangrar abundantemente. Eu sei que é sem jeito, mas é também sem jeito esse tanto que dói vezenquando.

Ah, mozinho, como seria feliz esse dia com você por perto... Como seria feliz reunir todo mundo e cantar parabéns pra você, e chamar de manhã cedinho os pequenos para matar você de beijos e entregar os presentes que teríamos comprado. Como seria bom reunirmos as pessoas queridas no nosso apê novo. Como seria bom abraçar você daquele jeito, enfiando minha cabeça onde ela encaixava no seu ombro, derrubar você na cama e morrer de rir das cosquinhas que você faria em mim para eu perder a força. Como seria feliz o nove de novembro inteiro. Não esse aqui, aos pedaços, aos trancos e barrancos, suportável, sobrevivível (eu invento palavras para dizer o que sinto e ainda elas, as inventadas, não exprimem claramente).

Ainda é tão difícil acreditar que naquela curva o meu mundo se partiu. Ainda dói tanto pensar que nunca, que não mais, que jamais e que é para sempre. Ainda é pesado demais imaginar e ver os pequenos crescendo sem você aqui. Todos os dias eu me pergunto como aguento, como eu consigo. E, sinceramente, essa resposta não é fácil, Thi. Tem gente, tem orações, tem mãos, tem torcida, tem carinho e tem os trancos, as rasteiras, gente maldosa também, tem fofoca... Mas tem os nossos grandão e gorducho que cuidam de mim e me ensinam muito mais que eu a eles e tem esse negócio aqui dentro, sabe? Essa vontade de ser feliz, de me livrar dos pesos, de amar, de viver... Tem esses olhos de esperança que eu sei que são herança.

Eu sei, meu amor, que sempre vai faltar um pedaço, sempre vai ter uma marca da sua ausência nas vidas que você deixou aqui. Eu sei que, de alguma forma, você está com a gente, aqui dentro, em pensamento, em lembranças de tantas coisas boas que vivemos juntos. Eu sei, Thi, e agora é quase uma convicção, em algum lugar você permanece e é aí mesmo que a gente vai se encontrar. Mas por agora, Thi, deixa eu chorar de saudade e rir ao lembrar dos seus olhinhos que se fechavam na gargalhada, da sua ternura no sorriso, do seu carinho para com o mundo, do seu jeito de me abraçar, da sua mão de chimpanzé com dedos de salsicha - como nosso compadre dizia, do seu carisma, da sua vida, da sua luz.

Parabéns, meu amor! Parabéns!


Ainda muita saudade. Ainda muito amor.

Moreninha

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Porque eu não tenho palavras...

"A vida, bordadeira de surpresas bonitas que também é, de vez em quando borda no tecido do caminho da gente umas histórias aparentemente sem pé nem cabeça, mas com muito coração.

E é o coração que pode encontrar importância no significado do bordado. Reverenciar a mestria, a ternura, o requinte do humor da bordadeira. A sua perspicácia. A sua visão amorosa. Sentir a qualidade de textura dos fios de sabedoria que ela usou para bordar a surpresa.

É o coração. Não, necessariamente, a circunstância."

"Depois de cada momento de fraqueza, meu coração prepara, em silêncio, uma nova fornada de coragem. Às vezes cansa, sim, mas combinamos não desistir da força que verdadeiramente nos move."
(Ana Jácomo)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O que é mais difícil.

O que é mais difícil é controlar aquilo a que a gente quer dar vazão. O que é mais difícil é esconder o que a gente mal consegue suportar sentir. O que é mais difícil é ser durona, é se fingir de forte, quando, na verdade, não se é mais que uma mulherzinha cheia de mi-mi-mi e ideais românticos adquiridos após anos e anos ouvindo histórias de conto de fadas, príncipes em cavalos brancos e princesas sendo felizes para sempre. O que é mais difícil é querer colo, cafuné, massagem no pé, beijo no pescoço e não ter nem a possibilidade de. O que é mais difícil é dormir sonhando com o ombro onde chorar as lágrimas e a perna onde jogar a perna e não, nada, nem. O que é mais difícil é carregar o peso sozinha, é ter de se adequar às expectativas sociais, ser recatada, comedida, serena e chorosa; quando você quer fazer as coisas do seu jeito e no seu tempo. Chorar quando as lágrimas transbordarem e bater perna e beber quando quiser anestesiar a dor. Ficar deprimida e calada num quarto escuro e cair na balada e dançar até o cabelo grudar na nuca. E que se lasque a opinião alheia! Que se lasque que acham cedo! Que se lasque o mundo todo! Porque na verdade, no final do dia, no fim do mês, no final das contas é com você mesma que você terá que se entender e a (ir)responsabilidade pela sua vida é sua e só sua. O que é mais difícil é querer voltar no tempo e reviver. Impossível. O que é mais difícil é querer só mais uma vez aquele abraço. E nunca mais. O que é mais difícil é querer a opinião dele sobre cada e tantas coisas e se adaptar a pensar no que ele diria se. O que é mais difícil é ver doces possibilidades e temer. ME-DO! O que é mais difícil é querer se jogar e pensar antes e controlar a impulsividade e dar para trás. O que é mais difícil é ter essa liberdade ampla e irrestrita de agora e querer tanto as felizes algemas de antes. O que é mais difícil é sair sozinha, não ter companhia, estar com a turma de casais, ir a festas infantis, reunião de pais, datas especiais... O que é mais difícil é conviver com a solidão do colchão. O que é mais difícil é o domingo à noite, o sábado à noite, a sexta à noite, todas as noites... O que é mais difícil é responder questões que você nunca nem imaginou a resposta para um ser tão inocente e puro e que não merecia ter esses questionamentos nessa fase da vida. O que é mais difícil é ter de lidar todo dia com uma ausência, com um buraco, com uma falta que, não importa aonde vá, persegue e grita e clama por atenção, mesmo que você esteja distraída. O que é mais difícil é vestir aquela roupa e não ter aquele elogio. O que é mais difícil é acordar e não ter com quem extravazar o mau humor. O que é mais difícil é sentir falta de toque, de mão, de beijo, de aperto, de amasso, de língua e rien de rien. O que é mais difícil é pensar no futuro a médio e longo prazo; é pensar nos pequenos crescendo sem aquele olhar e sem a experiência; é pensar no adolescer deles sem o referencial masculino; é pensar nas vitórias e conquistas (que assim espero) eles alcançarão sem a vibração da corujice dele; é pensar na velhice sem a perspectiva de companhia; é pensar nas viagens que planejamos e não fizemos; na festança de casamento que planejamos e não fizemos; na vida que teríamos no apê novo que planejamos e não fizemos. Nem faremos. O que é mais difícil é pensar que se pensou em suicídio como solução. O que é mais difícil é ver a vida tomando rumos que não se esperava e nem se queria. O que é mais difícil é conhecer gente bacaníssima e pensar em como ele se daria bem com estas pessoas. O que é mais difícil é seguir, sobreviver e viver. Mas é preciso.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Quando as borboletas começam a bater asas

Quando as borboletas começam a bater asas dentro da gente, parece com aquela sensação de quando o juiz marca um penâlti a nosso favor na final da Copa. Parece com receber, em plena quarta-feria, no meio do expediente, um enorme presente surpresa embrulhado em um lindo papel com um laçarote vermelho, sem saber quem mandou. Parece aquela brisa que anuncia a chuva que vai cair (porque chuva no nordeste é coisa boa). Quando as borboletas começam a bater asas dentro da gente, é muito difícil controlar essa sensação, desviar o pensamento, mudar o foco, pensar em outra coisa, fazer com que elas parem. Quando as borboletas começam a bater asas dentro da gente, perde-se um pouco do tom severo que a adultice impõe, perde-se o medo de pagar mico, de ser piegas, do ridículo. Quando as borboletas começam a bater asas dentro da gente, a gente esquece o passado dolorido, esquece as feridas e cicatrizes, esquece quem é, de onde veio e o rumo que estava tomando, esquece os problemas, as dívidas, os afazeres. Quando as borboletas começam a bater asas dentro da gente, vê-se de novo arco-íris no céu, estrelas cadentes e trevos de quatro folhas. Há uma certa magia ao redor de quem tem borboletas batendo asas dentro de si e tudo que acontece ganha um encanto diferente. Há um sorriso estampado no rosto de quem tem borboletas batendo asas dentro de si, como se o farfalhar delas fizesse cócegas na alma. Há sempre um aura de serenidade, porque a sensação, embora haja essa ansiedade evidente, é de que tudo, tudo, tudo vai dar pé. Há esperança nos olhos de quem tem borboletas batendo asas dentro de si, há uma chama, há uma meiguice para consigo e para com o mundo. Há esse constante transbordamento de boas vibrações, de energia positiva, de carinho... Quando as borboletas começam a bater asas dentro da gente, só nos resta torcer para que fiquem por muito tempo porque a gente sabe que é o indício mais real da felicidade que se aproxima. A gente sabe que nem todo mundo consegue. As borboletas não vêm para todos. Mas ó: tô aqui, hein? Querendo, é só chegar!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Feriado

O feriado de hoje é feito para lembrar, homenagear e rezar para aqueles que já partiram. Para mim, sempre foi um feriado como outro qualquer. Dia de não ir para a escola, dia de não ter trabalho. Até o ano passado, poucas pessoas haviam partido. Uma avó aos 3 anos; outra, aos 6; um avô que vi apenas uma vez na vida; alguns parentes com quem não convivi muito; um ou outro parente sem muito contato; um tio querido; e uma vizinha que era como se fosse da família, mas que foi tão maltratada pela doença que a morte me chegou como um alívio para tanto sofrimento.

Mas agora é diferente. Eu perdi parte do que eu era numa curva da estrada. Eu perdi metade do meu mundo, este mesmo que está sendo reconstrruído com diferentes rostos e diferentes formatos. No feriado de hoje, eu tenho quem lembrar, homenagear e por quem rezar. Mas o fato é que eu não sinto o feriado diferente. Não sinto como se fosse um finado a mais no meio daquela multidão que está sob o lugar onde as sombras são compridas. Não sinto isso porque ele é parte de mim, ele é o que eu sou e ele vive aqui, nas minhas atitudes, nas minhas escolhas, no sorriso dos pequenos. Ele é. Talvez por isso, seja tão difícil conjugar verbos no passado.

Eu não sei, mas não senti necessidade alguma de ir até lá. Porque essa data não muda em nada o que eu sinto, nem essa saudade, nem essa dor que insiste doer, nem diminui a ferida que insiste em sangrar (abundantemente, vezenquando). O meu dia de finados é diário. O meu dia de finados é rotina. O meu dia de finados é constante. E as preces e lembranças também são. É mais um feriado como outro qualquer.