segunda-feira, 11 de abril de 2011

Cartas para você XXV

Thi,


Não sei explicar bem porque, mas é aos domingos que eu sinto a saudade mais doída. Saudade de não ter, não saber, não poder falar. Saudade de ter você na vida, ao lado, brincando com as crianças, deitado na cama... No corre-corre dos dias úteis, sua falta quase passa batido. Nos meus finais de semana cheios de nada para fazer, estirada na cama, ela vem devagarzinho, abre as portas do porão de dentro e vai puxando aleatoriamente as muitas lembranças de nós dois.

Eu costumava dizer para você que adorava a expressão criar laços (adoro ainda). Sinto que é bem isso que a gente faz na vida: cria laços com as pessoas. Cada momento, cada alegria vivida ou lágrima derramada junto, cada abraço, cada beijo, cada vitória dividida, cada vez que se quebra um galho para alguém, sua fita e a fita do outro se unem num laço. Ao longo da vida, eles são muitos. E quantos mais laços se tem com alguém, maior é o vínculo também, mais forte é aquilo que prende ao outro. Você gostava das minhas metáforas, lembra, bebeim?

Quando a gente perde alguém assim, de repente, esses laços não somem instantaneamente. A sensação que se tem é de que eles continuam ali, prendendo aquelas vidas. Quem fica, tem a impressão de que permanece naquele emaranhado, de que tudo que construiu com aquela pessoa que se foi ainda existe. É física a sensação, é real. Muito lentamente, os laços afrouxam e se soltam. Grande parte dessas lembranças, desses momentos, daquilo tudo que unia vai permanecer na memória; mas não será mais laço.

É sempre aos domingos que eu tenho inundações de lembranças e que percebo o quão frouxos nossos laços estão agora. É sempre aos domingos que eu vejo e realizo o quanto de você já perdi. E dói. Dói porque não foi escolha minha nem sua. Dói porque foi prematuro, no meio de tantos sonhos, num ano que era pra ser incrível, às vésperas de tantos novos laços serem dados. Dói de um jeito estranho e inexplicável. Dói a despeito da tranquilidade que me ronda, da calma que é presença, da alegria dos pequenos. Dói a despeito das cosquinhas no coração e do sorriso no rosto. Dói assim, como eu disse no post sobre o outro domingo, sem me dobrar, sem me envergar, sem me turvar a visão, sem me tirar o ar dos pulmões, mas dói.

Logo depois do janeiro trágico, Thi, tudo que eu queria era chegar no muito depois disso, tempo em que seria tudo suportável. Agora que é tudo suportável, que eu encontrei um jeito de fazer a dor caber e se acomodar em mim, eu penso que eu não quero tirar você daqui, eu não quero esquecer os nosso melhores momentos e os laços que atamos e, ao mesmo tempo, eu sinto que é hora de deixar você ir, deixar muita coisa esvanecer, amarelar na parede da memória, deixar as fitas que nos prendem se soltarem.

De alguma forma, eu sinto que dói em você não estar mais aqui, que você sente essa saudade e essa angústia. De algum jeito meio cético-racional-descrente, eu sei que você sente demais nossa falta e queria estar presente, assim como eu acho que o que eu digoqescrevo chega até você.

Sabe, mozinho, uma das coisas mais marcantes em você era a resolutividade. Você sabia, como poucos, desenrolar os problemas, enfrentá-los, solucioná-los e sabia também reconhecer o que era sem solução. A nossa separação, nesse tempo-espaço em que estou, é irreversível, Thi. Não tem jeito. E eu preciso seguir por aqui sem você e você precisa seguir sem a gente onde quer que esteja.

Você será sempre uma linda história, o pai das crianças, um grande amor, um homem incrível, um amigo inesquecível, um médico maravilhoso; mas não será mais meu companheiro, meu confidente, meu marido, meu amante e essa constatação dói. Mesmo doendo, os laços estão frouxos e se desfazendo. Mesmo doendo, eu não tenho como reatá-los. Mesmo doendo, mesmo sem querer, mesmo sem convicção religiosa alguma, eu sinto que você existe em algum lugar e eu preciso que você entenda que esse é o curso natural das coisas, é o que dá pra fazer. É preciso encontrar novos motivos para viver e ser feliz, meu amor.

Não sei se a gente vai se encontrar algum dia, em algum lugar. Não sei se um dia estarei convencida de que essa perda, esse sofrimento e essa dor tem uma justificativa razoável. Não sei se estarei certa de que havia uma missão para você e outra para mim e que nosso destino nos unia só até o janeiro trágico. Não sei se um dia estarei conformada a ponto de não sentir mais revolta, de não questionar mais nada. Mas, com você, com a nossa convivência e com os laços que tínhamos, eu aprendi a ser resiliente e resolutiva. Por isso, meu amor, por mim, pelos pequenos, pela vida que segue e me chama, eu abro portas e janelas e deixo o sol entrar.

Eu penso sempre na sua música preferida, que tocou na sua missa e tento, através dela, me conformar: "E quando eu tiver saído para fora do teu círculo, tempo tempo tempo tempo, não serei nem terás sido. Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos, tempo tempo tempo tempo, num outro tipo de vínculo". Quem sabe, Thi, seja isso mesmo: um outro tipo de vínculo.
 
Amo você demais!
 
Moreninha
 

4 comentários:

Silvana Alves disse...

lindo o que escreveu.. sabe, é tão verdadeiro que entrei na hsitória e senti a sua dor.
Que Jesus conforte seu coração sempre... bejos

S. disse...

lindo...lindo...
beijinhos

Lu disse...

Cele,
é isso mesmo q sinto.
dói, dói, mas já cabe dentro de mim.
eu desejo acreditar q um dia nos reencontraremos e que nada é por acaso.
bjs mil.
Lu

Isabelle disse...

só pra dizer que passei por aqui, li a profunda carta, me emocionei e também concordo e gosto muito dessa música!
tempo,tempo,tempo,...
ah, e adorei a parte sobre criar laços, pura verdade!