terça-feira, 18 de março de 2008

ROTINA

Rotina é um negócio ruim. Cotidiano é um negócio que nos engole e acaba nos fazendo esquecer daquilo que realmente gostamos de fazer. Mas tirando o estresse do trânsito, o corre-corre pra se fazer tudo que deve ser feito, as poucas horas de sono e o fato de só ver o sol pela janela do carro, tem sempre coisas boas na rotina, das quais eu quero me lembrar como um gosto doce na boca, como um perfume de alguém especial, como uma época muito feliz da minha vida.

Meu dia começa sempre igual, por volta das sete e pouco, com uma preguiça medonha e um sono sem igual (desde que descobri a tal da gravidez), mas o grande me acorda todos os dias do mesmo jeito: com um beijo na boca e me chamando de bicho preguiça. Aí é hora de acordar o pequeno e trazê-lo para o nosso quarto. Ao ouvir minha voz, o pequeno abre um sorriso e diz mamãe!

Tomamos banho os três e depois vamos à mesa café. O pequeno senta no meu colo e repete: "mamãe, nham-nham-nham!", o que significa que ele quer comer pão com manteiga molhado no café. Saímos juntos de casa e nos despedimos na garagem. Eu e o pequeno para um lado e o grande, para outro.

Quando deixo o pequeno na creche, ele me solta um beijo, abana a mãozinha e diz: "Tau, mamãe!". Eu sempre vou embora sorrindo da independência que essa coisinha de pouco mais de 80 cm demonstra. Passo a manhã com coisas outras, que sempre fazem com que os ponteiros do relógio girem depressa.

Aí já é hora de pegar o pequeno e sempre, quando ele me vê, vem correndo me dar um beijo, vira de costas pra mim e dá tchau para os coleguinhas e solta um beijo para as "tias" da escola. No carro, ele apaga. Chega em casa demaiado. Hora do almoço com o grande e depois uma sesta, porque gravidez é fogo. E mais uma vez o grande me acorda: "hora de trabalhar, bicho-preguiça!".

A tarde passa correndo e quando chego em casa no fim do dia, vejo uma criança peralta, suada, com os pés pretos de tanto correr no pilotis do prédio em que moramos, com os dentes de leite ainda separados, vir correndo para mim, de braços abertos e sorriso no rosto. Ele me abraça como se tivesse ganhado o brinquedo mais legal dos últimos tempos e subimos para curtir o restinho do dia, ao som de músicas infantis e rodeados de brinquedos coloridos. Nós três: eu, o grande e o pequeno, normalmente dormimos de cansados e quase ao mesmo tempo, depois de um dia assim.

Não posso reclamar da rotina porque a minha é permeada de acontecimentos lindos.

terça-feira, 4 de março de 2008

A vida que se sonha...

"Há um vilarejo ali
onde areja um vento bom.
Na varanda, quem descansa
vê o horizonte deitar no chão.
Pra acalmar o coração,
lá o mundo tem razão.
Terra de heróis, lares de mães.
Paraíso se mudou para lá.
Por cima das casas, cal.
Frutas em qualquer quintal.
Peitos fartos, filhos fortes
sonho semeando o mundo real.
Toda gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Lá o tempo espera,
lá é primavera,
portas e janelas ficam sempre abertas
pra sorte entrar.
Em todas as mesas, pão.
Flores enfeitando
os caminhos, os vestidos, os destinos
e esta canção.
Tem um verdadeiro amor
para quando você for".


Vilarejo - Marisa Monte

Ah, se o mundo fosse assim, um lugar bucólico, um lugar dos sonhos, o próprio paraíso, onde a brisa é boa e a gente tem tempo de descansar na varanda porque "lá o tempo espera". Um lugar onde só existam pessoas de bem, heróis e mães, que amamentam com seus peitos fartos filhos fortes e assim o sonho semeia o mundo real. Um lugar onde sempre é primavera, com flores espalhadas por todos os lados e no qual, em todas as mesas, há pão. Para a perfeição ser extrema, há ainda um amor verdadeiro nos esperando lá. Será?

Nos anos 70 o lugar idílico era casa de campo, onde se "possa plantar amigos, discos, livros e nada mais". E aí, nessa louca vida moderna, cansamos todos do tédio, do ócio no campo, nos entupimos de remédios antidepressivos e indutores de sono e vivemos agora num lugar insano, em que não podemos confiar em ninguém. O que não mudou de lá pra cá é a necessidade de ter pessoas ao redor, continuamos plantando amigos na nossa vida e percebemos que, apesar do mundo cão, é importantíssimo que todos estejam vivendo bem para que isto aqui seja um lugar melhor.

Não basta o pão na minha mesa, não basta o meu emprego e o salário no fim do mês, não basta que meus filhos tenham acesso à educação, é importante que todos desfrutem disso e possuam uma vida digna. Já não é suficiente o espelho, quero o toque, a gente, a comunidade. Não se é mais feliz com a liberdade da vida adulta, a independência financeira e sexual, preciso de "friends", ou seja, precisamos de alguém pra rir, pra chorar no ombro, precisamos de relacionamentos sem sexo, honestos e reais. Precisamos de seres humanos. Não só de amores verdadeiros, mas de uma vida em que sejamos amados plenamente, como amantes, como pais, como filhos e, principalmente, como amigos, porque, dentre todos os amores finitos e mortais desta vida, a amizade é o mais duradouro.