segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Caio F. autor da minha vida V

Ah, Caio, você sempre tem o trecho exato para o que invento que sinto...
"Um passo para a frente e cem para trás. Retrocessos. Descaminhos. Procuro sinais de algum amor teu. Vestígios de noites passadas. Tu não me vês, estou incógnita a te observar. Como sempre estive, olhando pelas janelas, de longe, coração apertado. Nós poderíamos ser amigos e trocar confidências. Assistiríamos a filmes, taça de vinho nas mãos, e tu me detalharias as tuas paixões e desatinos. Nós poderíamos ser amantes que bebem champanhe pela manhã aos beijos num hotel em Paris. Caminharíamos pela beira do Sena, e eu te olharia atenta, numa tentativa indisfarçável de gravar o momento e guardá-lo comigo até o fim dos meus dias. Ou poderíamos ser apenas o que somos, duas pessoas com uma ligação estranha, sutilezas e asperezas subentendidas, possibilidades de surpresas boas. Ou não. Difícil saber. Bato minhas asas em retirada. Tu dormes, e nos teus sonhos mais secretos, não posso entrar. Embora queira. À distância, permaneço te contemplando. E me pergunto se, quem sabe um dia, na hora certa, nosso encontro pode acontecer inteiro. Porque tu és o único que habita a minha solidão." (Caio F.) 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Matheus na escola

Uma das diferenças mais significativas que eu percebi ao colocar os pequenos numa escola grande foi em relação ao projeto pedagógico. Eles estudavam antes numa creche-escola pequena, portanto, eram cercados de crianças pequenas e tinham todo incentivo lúdico-imaginativo-criativo e tal, eram conhecidos por nome e sobrenome e todo mundo sabia quem eu era e o que acontecera na nossa família. A escola era ótima, sem sombra de dúvidas. A gente (eu e eles) era muito apegado às professoras e as mães dos amiguinhos de escola se tornaram minhas amigas para além daquele ambiente. Tudo muito bom!

Todavia, lá na escola em que estão agora, eu fiquei estarrecida com o fato de ter de comprar quatro livros (nada baratos) didáticos para o Matheus, que nem alfabetizado é. Porém, agora, passado o primeiro mês de aulas, tendo feito inúmeras tarefas de casa com ele, é muito óbvio pra mim a existência de um projeto pedagógico nas atividades todas que ele realiza. Eu disse: TODAS AS ATIVIDADES estão vinculadas ao projeto pedagógico. Essa diferença é significativa porque a gente entende que aquelas bolinhas de papel amassado estão dentro de um contexto mais profundo de aprendizado. Não sei se todo mundo entende a sutileza da diferença, mas antes parecia mesmo para mim que a escola era só um centro de atividades sem fundo teórico. E agora eu vejo o casamento das atividades de recortar, picotar, colar, riscar, rabiscar, colorir com um aprendizado de fundo.

Matheus está numa fase cujo tema das atividades são as relações sociais. Contei aqui o causo do desenho da família, né? Então, eu cheguei hoje na escola e a professora dele veio me dizer que ontem, numa das atividades sobre socialização, as crianças foram postas a responder quem era o melhor amigo delas. Todos responderam nomes de colegas de sala e o Matheus disse:

_ Ah, acho que meu melhor amigo é o meu irmão Thomás!

(Coisa muito linda a relação que eles estão construindo. Era exatamente isso que seu pai queria, meu amor! E-xa-ta-men-te isso!!!)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Boa notícia

Eu sempre disse aqui que fui jogada no fundo do poço e que lá tinha uma cama quentinha, na qual fui embrulhada com um lençol humano de amizade, carinho e amor. Muitas pessoas me leem desde a época do Aberta ao Mundo. Alguns já me visitavam na época da vida tranquila e feliz, no meu período esposa e mãe. Todavia, é inegável que o acesso ao blog cresceu exponencialmente depois do janeiro trágico. Um montão de visitas diárias e muito apoio. Recebo email quase que diariamente de gente comentando que me lê caladinho, que me acompanha e torce e vibra anonimamente. E, por isso e por algumas coisas mais, quando eu falo sobre o blog eu sempre digo que eu tenho uma torcida.

Muita gente que eu conheci virtualmente tornou-se real na vida. Gente que eu ainda não vi, mas com que converso diariamente e troco dezenas de emails dando notícias do que está acontecendo por aqui. Gente que eu conheci e que implantei no meu rol de amigos, daqueles que a gente convida pra aniversário do filho, daqueles que a gente encontra com prazer e abraça apertado. Gente com quem converso virtual e por telefone diariamente e que sabe do meu caminhar, das minhas alegrias e dos meus momentos de dor também. Eu tenho uma torcida e é por tê-la que vim dividir uma boa notícia aqui.

Porque eu não teria conseguido sem vocês; porque eu não estaria em pé sem esse exorcismo, essa expectoração terapêutica; porque vocês ouviram todos os meus lamentos e me deram muito apoio em cada uma das conquistas; eu venho dizer que a saga do apartamento chegou ao fim ontem, com a assinatura do contrato na CAIXA. Agora ele é meu. É claro que agora eu também sou devedora de referida instituição financeira por mais 180 meses, mas eu tô feliz demais! Muitos motivos para comemorar!

Vocês foram solidários na dor e na alegria. Obrigada a todos pela torcida, por cada palavra/email/telefonema, por cada oração, por cada prece feita por mim e pelos pequenos, por cada minuto do dia em que pensaram em nós e mandaram uma energia positiva, por cada abraço apertado, por cada companhia... Obrigada, meus queridos! Muito obrigada!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A despedida em poesia

"a quem por ti pergunta digo sempre
que habitas nos caminhos que vão dar
a todas as perguntas que fazemos
depois de termos morrido muitas vezes
e sem que o percebam dou-te o nome
mais perfeito que há na terra
para dar a quem vai desaparecer
eu sei que já é tarde que sempre foi tarde
mesmo quando ainda era cedo
mas também sei que não há mais nada para lá
dos secretos recantos das histórias que nos pertencem
e abro a janela de todos os meus sentidos
deixando que tudo o que era teu desapareça contigo
entre os murmúrios das horas que já nem recordam
o caminho de regresso ao sobressalto da tua voz
quando no parapeito das madrugadas
lentamente morríamos de frente para o sol
e não vale a pena tentar voltar ao princípio
porque a memória se encarregou de demarcar
o novo território dos teus passos
e qualquer estrada seria um outro deserto
onde nem sequer seríamos capazes de descobrir
o cheiro secreto de águas perdidas
por isso vai sendo tempo de escrever nas dunas
a rota de todos os tesouros que perdemos
para que outros cheguem e digam foi então
aqui que tudo começou
vai sendo tempo de convocarmos os amigos
para que as mãos curem as chagas
de precipitadas despedidas
vai sendo tempo de voltares para casa
e de entre nós baixar um deus que finalmente
saiba destinar a cada um o
amor que lhe compete"

- Dois corpos tombando na água, Alice Vieira

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Eu poderia estar varando o mundo e as madrugadas e inebriando corpo e mente com experiência fugidias e superficiais. Eu sei que eu poderia estar correndo riscos e sobrevivendo de maneira insana, leviana. Eu sei que eu poderia recorrer ao auxílio de tarjas pretas para fugir da dor, para sair do ar, para suportar. Eu sei que eu poderia estar encontrando válvulas de escapes e saídas tangenciais. Eu bem poderia viver mudando de braços e de abraços a cada noite. Eu poderia ainda resolver desistir da vida e me entregar à solidão. Eu poderia também pirar, vestir a fantasia mais colorida da insanidade e  deixar a razão me abandonar. Mas não. Eu estou aqui vestindo a roupa da razão, com as armas do equilíbrio e apoiada na coerência. É claro que me desequilibro vez em quando, mas eu vou em frente e antecipo o futuro colorido que me aguarda bem ali.

Eu sei que eu poderia estar falando alto ou gritando
Soltando a minha voz aguda e rouca pelo ar
E sei que poderia agora estar cantando
Mostrando a todos como é bela a minha dor

Confesso entretanto que sou incapaz
De anunciar assim o que eu sinto
Prefiro esperar sozinha por você
Pois só você entende o que eu digo

Eu bem que poderia freqüentar todos os bares
Tentando exorcizar um pouco o que sofri
Andar de mesa em mesa
Tropeçando e bebendo
Chorando e contando a minha triste história
A quem quisesse ouvir

Confesso entretanto que sou incapaz
De jogar fora assim as minhas lágrimas
Prefiro dormir sozinha no quarto
Talvez eu esteja bem melhor ao acordar

Não pense que é covardia
É apenas timidez
Só me serve a sua companhia

Eu sei que eu poderia estar vivendo um romance
Escrevendo a cada dia uma página da minha futura biografia
E até que poderia também tentar o suicídio
E assim saciar a sede de sangue da humanidade

Confesso entretanto que sou incapaz
De exibir assim minhas marcas nos jornais
Prefiro deixar o tempo passar
Quebrando uns pratos até você chegar


 Não pense que é covardia
É apenas timidez
Só me serve a sua companhia
(Timidez - Kid abelha)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Ontem foi dia 20

Ontem foi dia 20. Eu esqueci de lembrar de sofrer. Eu esqueci de contar o tempo do que foi e do que não será. Eu esqueci de me lamentar. Ontem foi dia 20 e eu tomei banho de piscina com as crianças, a gente fez foto de beijos embaixo d'água, a gente nadou no lado fundo, a gente comeu churrasco e linguiça com farofa, a gente cantou parabéns pra menino de dois anos e riu com gente querida. Ontem foi dia 20 e não teve dor. Acho que a ferida fechou.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Hoje não tem

Eu vim pra dizer que hoje não tem. Não quero remexer na ferida nem no que dói. Não quero relembrar o passado nem a tragédia. Não quero viver repisando com salto agulha um coração cujos caquinhos todos em que foi despedaçado foram colados com cola branca. Não quero mais reviver aquele dia e toda essa história de sofrimento, dor e luta. Hoje não dá. "Vou consertar minha asa quebrada e descansar". Só isso: descansar do sofrimento e ficar em paz.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Rindo com Thomás V

Todos os dias, assim que acordam, meus pequenos invadem meu quarto e minha cama e ficamos os três lá, morrendo de preguiça de levantar, escovar os dentes, tomar banho e encarar o dia. Normalmente, é um momento de beijinhos e abraços de bom dia. Há duas coisas que se repetem todas as manhãs assim que acordo: o mau humor e a fome. Demoro a pegar no tranco de manhã e acho até que a segunda característica piora a primeira. Pois bem. Ontem não foi diferente. Os pequenos na minha cama e eu mal humorada e com fome. A gente lá se beijando e se abraçando (meu mau humor não vale pra eles). Thomás deitou na minha barriga e, nesse exato momento, ela roncou alto, até eu ouvi. Ele levou um susto, deu um salto e arregalou os olhos pra mim dizendo:

_ MAMÃE, TEM UM BEBÊ NA BARRIGA!!!

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Rindo com Thomás IV

Meu irmão tava aqui em casa resolvendo pendengas computacionais pra mim (eu sou favorável de que seja aprovada uma emenda constitucional para que carros e computadores sejam proibidos de darem pau forever - tipo assim norma cogente, todos deveriam vir de fábrica com um botão de autoconserto). Voltando ao assunto. Ele recebeu uma ligação da namorada e resolveram comer fora. E eu, com meu espírito de obesa mórbida e a carência estratosférica, fui logo me convidando para acompanhá-los.

_ Para onde vocês vão? Eu quero ir também!

Nesse momento, vem o pequeno "mais pequeno" correndo do quarto:

_ NÃÃÃÃÃO! Mamãe pode não!
Eu falei:
_ Que?
_ Mamãe pode não!
_ Como assim, Thomás? Por que a mamãe pode não?

Ele olhou pra mim, depois para o irmão, depois para o tio, olhou ao redor, como quem procura um bom álibi e, olhando pra mim de novo, disse:

_ Porque você é pequeno!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Imperfeitamente feliz

É que ontem o mundo ficou bagunçado de novo. Vários acontecimentos pontuais pincelaram uma saudade e uma tristeza estranhas dentro de mim. Terminei o dia reflexiva, cabisbaixa, interrogativa... Visita da sensação de que não é justo, de que o mundo é caótico, de que nada faz sentido... E eu me estarreço, eu fico perplexa, mas não desisto.

Resolvia umas pendências para uma amiga que ficou viúva alguns anos antes de mim, de maneira trágica também, com uma filhinha pequena também. Resolvia tudo na companhia de um amigo, que fora me ajudar a desvendar os caminhos de Maracanaú. Recontar o que acontecera com ela a ele me fez reviver aquele dia trágico de 2008 de novo e me lembrou das conversas que eu tive com o Thi à época, sobre a fragilidade da vida, sobre o absurdo da violência urbana, sobre a família destruída, sobre a pequena crescendo sem o pai por quem era a-pai-xo-na-da. E, né? Coração apertadinho...

No final da tarde, levei o Matheus à aula de Karatê. A gente foi andando e conversando até a escola, que fica umas quatro quadras do condomínio em que moramos. Chegamos cedo e eu fui lá na salinha dele para ver o mural com fotos das crianças da turma. Ao lado das fotos, havia um mural com o tema "Família" e desenhos feitos pelas próprias crianças. No meio daqueles desenhos todos, havia um em que estava escrito Matheus Alencar (como assim? Ele é Moraes. Matheus Moraes!) e, no desenho com o nome dele, havia apenas três pessoas. Aqueles típicos desenhos infantis, em que as figuras humanas são representadas por riscos que correspondem a braços, tronco e pernas, e um círculo no topo, representando a cabeça. Eram três figuras com tamanhos diferentes e adequados: Você, eu e o Thomás, ele disse, e completou: porque quando eu desenhei o papai já tinha morrido e agora ele é invisível até no desenho.

O choque dessa realidade instalada e compreendida na cabeça desse meu pequeno tão esperto me fez pensar. Eu olhava para os outros desenhos, uns sem forma definida ou inteligível, alguns garranchos, uns bem coloridos, mas tantos com famílias "completas": papai, mamãe e filhos. Coisa que não somos mais. Somos só nós três, somos só mamãe e filhinhos. Ele não percebeu a minha tristeza, ele entendeu que o pai dele não está mais aqui, ele já lida bem com o tema morte e com a irreversibilidade da situação toda; mas eu fiquei destruída com isso. E deprimida. Assisti à aula de Karatê e me impressionei com o quão rápido o tempo corre. Matheus vai já fazer cinco anos e o Thi simplesmente não está. Voltei pra casa assim, meio down, meio bololô.

Não, não houve lágrimas, nem aquele desespero de sacudir o peito, só mesmo essa tristeza de não ter mais, de não ser mais aquilo. Na tarefa de casa, pediram para colocar uma foto da família e lá estávamos nós quatro, deitados na cama, sorrisos nos rostos... Uma vida perfeita e feliz, como a que queríamos proporcionar para eles dois até que crescessem. Não será assim. Mas será imperfeitamente feliz até que cresçam. Eu tô tentando...

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Rindo com Thomás III

Eu e o Thomás na sala. TV ligada (só pra fazer barulho mesmo) na Globo. Eu tava concentrada nas agendas escolares e tarefas de casa. Entra a vinheta carnavalesca da Globo com a canção tradicional "Veeeem pra ser feliz (pra ser feliz). Eu tô no ar, tô globoleza...". Nesse momento, ele solta um grito, eu olho e me deparo com os olhões esbugalhados para TV:

_ MAMÃE, OLHA O BUMBUM!!!
"...Eu tô que tô legal. Na tela da TV no meio desse povo..."
_ MAMÃE, OLHA O BIBIU!!!
"... A gente vai se ver na Globo"
_ MAMÃE, OLHA O PEITO!!!

Obrigada, rede Globo, pelas aulas de anatomia feminina gratuitas.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

o maior amor do mundo

Matheus e Thomás - 09/02/2011

A coisa mais incrível que esse amor fez por mim foi cuidar das feridas mais fundas que me cortaram ao meio. Sem querer, com inocência e um amor puro, sem saber, sem imaginar e de maneira suave, com doses pequenas e homeopáticas, mas diárias, de razão para viver.

A coisa mais absurda que esse amor fez por mim foi tirar do meu próprio umbigo o meu foco de visão e  me fazer enxergar de maneira mais abrangente, perceber o imperceptível, ler o que está escondido no olhar, entender a linguagem subliminar do choro, disfarçar o solavanco e encontrar diariamente maneiras de se manter de pé, de suportar.

A coisa mais avassaladora que esse amor fez por mim foi perceber que eu não sou mais uma só, que a minha vida e as minhas vontades não são mais prioridade, mas quarto ou quinto plano na escala. Academia? Não, Karatê. Salão de beleza? Não, natação. Abdicar por amor, abrir mão por querer e com prazer.

A coisa mais surreal que esse amor fez por mim foi me fazer acreditar no intangível e ver que há mais coisas mesmo entre o céu e a terra do que julgamos nós, agnósticos. Em meio a sustos e um pouquinho de medo, adoçou o coração que amargou uma saudade dolorida.

A coisa mais fantástica que esse amor fez por mim foi descobrir que ele é multiplicável e nunca dividido, que ele pode ser de um, de dois e de mais; que ele é exatamente o mesmo embora sejam os objetos completamente distintos entre si.

A coisa mais maravilhosa que esse amor fez por mim foi me fazer acreditar na vida todos os dias quando o mundo me parecia cinza e vazio e me manter com um sorriso no rosto quando todo resto tinha perdido a graça.

Amo vocês mais do que sou capaz de amar, pequenos!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Eu aprendi

Houve um tempo em que eu tinha cer-te-za de muitas coisas que hoje me parecem conversa pra boi dormir.
Houve um tempo em que eu amparava meu passo no ombro amigo de quem hoje simplesmente não está.
Houve um tempo em que eu tinha a minha vida toda pela frente e isso dava uma liberdade absurda para tentativas e arrependimentos e me parece que em cinco anos a vida-toda-pela-frente passou.
Houve um tempo em que eu acreditava que eu podia fazer o que quisesse e bem entendesse, sem me preocupar com mais ninguém, até entender que me preocupar com as pessoas é a razão de ser.
Houve um tempo em que um sentimento latejava em mim com intensidade tal que lhe apregoava características de eterno até que acabou.
Houve um tempo em que eu acreditava ter cada coisa em seu lugar até que um menino mau virou de cabeça pra baixo meu castelo da Barbie, espalhando tudo pelo chão.
Houve um tempo em que eu acreditei que algumas amizades eram verdadeiras e aí eu cheguei no olho do furacão e vi que as amizades só são verdadeiras se houver um depois de ou um apesar de.
Houve um tempo em que eu achei que tinha uma vida perfeita até descobrir que a perfeição não existe.
Houve um tempo em que eu achei que o meu sofrimento era o maior do mundo e que este mesmo mundo deveria ser delicado comigo porque eu estava sofrendo, até descobrir que eu poderia sofrer mais (muito mais) e que não era a primeira, nem a única, nem a última, era só mais uma a aguentar os trancos e a encarar os barrancos.
Houve um tempo em que eu achei que eu era frágil até descobrir uma roupa de aço sob a pele.
Houve um tempo em que eu achava que tinha tudo de que precisava para a vida, até um acidente me mostrar que a gente não tem nada.
Houve um tempo em que eu acreditava que ser mãe era tarefa de casa sem fim, era abdicar, até descobrir que é abdicar pelo maior amor do mundo.
Houve um tempo em que eu achava que meu coração fosse empedrar e se trancar, até ver ele bater descompassado, desmanchado assim.
Houve um tempo em que eu pensei que o sorriso jamais voltaria ao meu rosto, que o ânimo de viver tivesse me abandonado, que a vida tinha perdido sentido e cor, que sobreviver era o que importava, até entender que sorrir ajuda a superar, devolve o ânimo e a cor.
Houve um tempo em que eu achava que era autossuficiente e descobri que preciso de gente ao meu redor.
Houve um tempo em que eu não queria mais viver, em que eu só queria que parasse de doer, até entender que dói de qualquer jeito e ainda assim vale a pena estar aqui.
Houve um tempo em que eu queria não sentir mais, até perceber que sentir é a forma mais completa de ser humana.
Houve um tempo em que eu não sabia nada, até que eu aprendi.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Sonho

Ela me apareceu em sonho. Não sei porque comigo, não faz sentido algum. A gente não se conhecia, a gente não tinha qualquer vínculo. Veio talvez para dividir a dor de não estar mais, a dor de ver a dor, a dor de não cuidar. A surpresa da visita, o contato direto com alguém do lado de lá, me deixou atônita e a minha reação foi falar muito. Eu não queria ouvir, eu queria perguntar. Eu queria saber do meu ele, eu queria saber se eles tinham se encontrado e como ele estava. Eu queria descobrir se era verdade o que disseram. Eu queria entender as razões. Eu falei, falei, falei. Ela sorria, com cabelos longos caídos ao redor de si, com uma blusa branca e calça jeans. Ela sorria pra mim serena e tranquila, como se fosse muito superior àquela minha afobação mundana, como se entendesse minha inquietação e nada pudesse fazer para arrefecê-la. Não era o meu momento, não era para me dar respostas que ela me aparecera. Era um momento dela e ela precisava me falar. Ela sorria serena e com olhos apertados como ele. Ela sorria e me pedia para ajudar. Ela sorria e dizia que eu poderia ser ouvida e compreendida. Ela sorria e eu chorava. "Cuide!". Cuidarei.

(Escrito em outubro/2010)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cartas para você XXIV

Thi,

Preciso pedir desculpas. Durante muito tempo eu retive você aqui, eu me agarrei às suas lembranças, à sua essência, ao seu jeito de ser e de lidar com tudo para poder caminhar. Eu recorria às palavras que você me dizia para tentar colocar ordem no caos que ficou nossa vida. Nos momentos de medo ou desespero, eu pedia que você, onde quer que estivesse, me ajudasse a ficar em pé, a seguir em frente, a encarar. Quando a minha força estava esvaindo, quando as lágrimas rolavam, eu pedia, pedia, pedia: Thi, Thi, Thi...

Eu sei: egoísta. Eu sei: de novo e como sempre. Não sei como, não sei porque, não sei nem explicar direito o raciocínio dentro da minha mente descrente. É que pensar que você poderia me ajudar e que estava por perto me fazia me sentir mais capaz. Perdi a conta de quantas vezes me utilizei desse recurso. E, de repente, nem era mais um processo mental premeditado. Em qualquer situação, eu tava lá, pensando em você e acreditando que você me ajudava.

Ontem, quando o Matheus começou a tossir aquela tosse que você nunca ouviu, mas que me fez bater no hospital com ele algumas vezes, quando ele começou a reclamar da garganta doendo, quando ele começou a dizer que tava com sono e não conseguia dormir; eu pedi por você de novo. Eu pedi que você me ajudasse a cuidar dele e a fazer o que devia ser feito. Eu pedi que você estivesse ali com a gente para que eu não precisasse passar pelo desespero de vê-lo sem ar, em crise de novo. Eu dei os remédios de sempre e, meia hora depois, ele dormia tranquilamente.

O fato é que eu percebi o contrassenso que eu sou. Eu digo que estamos bem e que conseguiremos sem você. Eu digo que me virei por aqui e que toquei nossa vida em frente. Eu digo que consigo, que sou capaz, que eu posso; mas diante da primeira pedra, eu já choro seu nome e peço sua ajuda e me tranquilizo em saber que, em algum lugar, você está a fazer por nós o que não pode mais. Como você vai ficar em paz assim?

Desculpa, meu amor, eu sou mesmo inconsequente, eu sou mesmo o cúmulo do egoísmo. Eu quero que você acredite que estamos bem e que pare de sofrer por não estar presente. Eu quero que você entenda e perceba que a gente está seguindo a vida por aqui e que isso seja suficiente para você descansar. Não há dúvidas de que seria muito melhor com você por perto, porém não se pode fazer conjecturas com impossibilidades. Eu queria me desculpar por ser insegura e demandante. Eu queria ser mais forte, mais firme, mais segura de mim e dos meus atos, Thi.

Durante muito tempo eu vivi como espectro do que você era, chegou a hora de caminhar com minhas próprias pernas.

Amo você demais e para sempre!

Moreninha

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Caio F. autor da minha vida IV

Estou relendo Caio Fernando Abreu. Todos os meus livros, na exata ordem em que li da primeira vez, empilhados no criado-mudo do lado direito da cama. Estou relendo Caio Fernando Abreu e sentindo de novo as punhaladas que seus escritos me causam, a precisão com que ele fala da minha vida, a forma metafórica e viciante de falar de sentimentos. Queria ser enigmática como ele é, queria dar vazão ao que lateja como ele faz. Queria conseguir ser profunda e reflexiva como os escritos dele. Em muitas passagens, ele conta a minha vida. Eis aqui mais uma:

"Observei o que antes chamara de ausência sobre a cama, e percebi que meu corpo ainda humano sentia na carne a falta das descargas elétricas de seus dedos, mas que em meu cérebro estranhos circuitos geravam suas próprias imagens e sua memória e sua mitologia e que eu dispunha de mim como se fosse meu próprio dono e que se meu corpo ainda humano sofria fomes e ausências esse cérebro guardava todas as coisas não mais como um álbum de retratos mas como partes integrantes e integradas de mim mesmo. Não sentia mais sua ausência porque eu também era ausência. Não me sentia sozinho nem desorientado porque sabia que se não era ao mesmo tempo todas as outras pessoas e todas as coisas havia pelo menos alguns que haviam sido também escolhidos e que nos encontraríamos e que talvez já nos tivéssemos encontrado e que nosso caminho a princípio escuro era o mesmo. Soube para sempre que ele não voltaria. E que não tinha me abandonado."  (Caio Fernando Abreu, Iniciação in: O Ovo Apunhalado, p. 117).

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Caio F. autor da minha vida III

"Porque, pra viver de verdade, a gente tem que quebrar a cara.Tem que tentar e não conseguir. Achar que vai dar e ver que não deu. Querer muito e não alcançar. Ter e perder. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas que tem que ser dita. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida. A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, dói demais. Mas passa. Está vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela. Juro que estou falando a verdade. Eu não minto. Vai passar." (Caio F.)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Notícias dos pequenos



 Últimos dias de férias na piscina da casa nova

 Aproveitando o play

 Descobrindo formigas

 Santa Lalá!

Primeiro dia de aula

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

?

Com
Quantos
Caos
Se
Faz
Uma
Leoa?

(from: flor de laranja - link aí do lado)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O fantástico mundo do futuro do pretérito

Durante muito tempo, eu vivi no fantástico mundo do futuro do pretérito. Minha vida corria dura e real e, em paralelo, o futuro do pretérito desenhava em minha mente situações e diálogos com gostinho de saudade. Com certa frequência, eu me mudava para lá e me perdia em devaneios cujas ações tinham os verbos terminados sempre em -ia.

O fantástico mundo do futuro do pretérito tem milhares de encantos. Nele, a gente pinta a vida das cores que a gente quer e revive os melhores momentos do que ficou pra trás. Nele, a gente pode ter de novo o que perdeu, sentir de novo o frio na barriga, sorrir e amar de novo. Nele, a gente pode criar momentos perfeitos, situações perfeitas, ternura e amor. Nele, a gente pode deixar a vida ser sempre doce, porque não há limites no fantástico mundo do futuro do pretérito.

Porém, há também um contraponto, um peso, um senão. Lá no fantástico mundo do futuro do pretérito, tudo é precedido por uma partícula condicional. Não há nenhuma ação que não gere uma oração subordinativa condicional. No meu caso em particular, não se tratava de partículas condicionais viáveis, possíveis, plausíveis. Não era o caso de uma condição futura certa, um termo final a ser alcançado. A partícula condicional que me alçava para lá tinha a conotação do impossível.

E aí, quando você percebe que não, que nunca mais o fantástico mundo do futuro do pretérito será conjugado no presente do indicativo; você entende imediatamente o que o sofrimento é capaz de fazer com a mente das pessoas. Esse choque de realidade arrasta para a vida real qualquer um que anseie permanecer por lá. E tendo retornado, resolvi abandonar as viagens para lá. Reconheço que muitas vezes era sensação de conforto, era sentimento que eterniza. Mas, a bem da verdade, era também fuga da lucidez e da racionalidade que sonhei pra mim.

Eu não vou mais ao fantástico mundo do futuro do pretérito. Até porque, sempre que a gente pensar como seria se; qualquer coisa, qualquer situação, qualquer momento se torna muito triste e pesado e sofrido pelo simples fato que não.