É claro que a dor que dói agora não é mais daquelas de enlouquecer, de perder o chão, de fazer com que o mundo perca a cor... A dor que dói agora é quase sempre suportável, silenciosa, incômoda. A dor que dói agora não me prostra, não me acama, não me derruba no chão. Vezenquando, ela vem assim avalanche, dilúvio, cataclisma. Mas, na maior parte dos momentos, ela é discreta, perene, serena. É uma dor que fica lá, mas não me vira ao avesso. É uma dor atropelada por tantos outros problemas cotidianos: filhos, casa, compras, contas. A dor de agora é uma dor amiga, companheira, fiel escudeira. E eu sei que nem sempre falo sobre ela, porque meus momentos de escrita-exorcismo acontecem invariavelmente quando o vulcão explode lá dentro de mim.
A dor que dói em mim agora se torna imperceptível, inaudível, invisível, e anestesia, quando o cavalo branco se aproxima da janela e doces palavras dançam nas telas. A dor de agora me escapole entre os dedos quando confrontada pela presença constante e pelo cuidado todo. A dor de agora se resigna a ser lembrança quando a vida abre portas e janelas e estende tapetes na espera. A dor de agora se esquece de si e, altruísta, cede espaço e vãos para sorrisos, para conversas infinitas, para coincidências que assustam, para transmissões de pensamento. A dor que me acompanha baixa a cabeça e dobra seus joelhos perante a perspectiva de felicidade. A dor de agora é sublimada ante esse bem querer designado, em que o que é externado é parcela ínfima do sentimento.
A dor que me acompanha não se foi, não sumiu, não saiu da minha vida nem de mim, mas ela me permite umas tréguas, uns hiatos, uns afastamentos providenciais quando o bem que faz tão bem me cerca. E eu sigo minha vida neste surto bipolar: às vezes, cataclisma; às vezes, anestesia. E espero pelo dia em que ela seja só silêncio e resignação.
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