sexta-feira, 19 de junho de 2009

Crescer

Eu descobri que crescer é inevitável. É dolorido eu sei, é cheio de tapas na cara, puxadas de tapetes, queixo caído, surpresas boas e outras bem ruins. Mas a gente cresce, não há como se mudar pra Terra do Nunca. Não aqui no mundo brutal e entregue às baratas em que vivemos.

A gente cresce ininterruptamente, um pouco mais a cada dia e, de repente, toma um susto com a adultice com o dedo na cara cobrando da gente decisões, escolhas e posturas que a gente nem queria tomar, fazer e ter. Não nos próximos 25 anos.

A gente cresce e acorda um dia com um marido do lado, filhos pequenos, empregada doméstica, emprego, secretária, contas e bens. A gente cresce e o grande problema é que tem dias em que a vida adulta é mesmo um porre, um chatice, para a qual ninguém foi preparado.

A gente cresce e sente as cobranças do mundo todo sobre a gente. Porque a gente tem que ser mãe, profissional (não traga seus problemas pessoais para o trabalho!), magra, gostosa, tem que fazer sexo, a gente tem que saber usar a maquiagem e seguir as tendências fashionistas, a gente tem que ter roupa legal, saber se portar, saber falar, saber se apresentar, saber vender, saber andar, saber contra-argumentar, saber usar os talheres (primeiro os de fora) e as taças corretas para água, vinho e espumante.

A gente cresce e tem que ler um monte de coisa para aquela tese, para aquele artigo, tem que ler os jornais e certos catedráticos e tem sempre uma lista enorme de, pelo menos, 35 livros que você adoraria ler ou filmes a que você adoraria assistir e simplesmente não arruma tempo para.

A gente cresce e os amigos que outrora eram vistos diariamente nos bares da esquina ou na faculdade, simplesmente foram embora, assumiram cargos e funções importantes. Eles cresceram também. A gente cresce e descobre que a revolução comunista foi um sonho que sonhamos meio sem acreditar, que mudar o mundo é tão fácil quanto aprender mandarim, que o seu maior sonho atual, na perspectiva da vida corrida que leva, é poder dormir até às 9 da manhã.

A gente cresce e os fins de semana regados a chopp e churrasco, se tornam cheios de leituras do trabaho, almoços familiares, playgrounds e crises existenciais pela folga da babá. Cresce e se dá conta de que a prestação do cartão de crédito tá quase chegando ao valor do salário do fim do mês e se contenta em ficar sem aquele perfume mara. A gente cresce e descobre que não se pode dizer tudo de uma vez, ainda que esteja extrapolando o coração; é sempre melhor contar até cem e respirar fundo. A gente cresce e aquela música que embalou tantos momentos toca na rádio no programa do túnel do tempo, ou fundo do baú, qualquer coisa que o valha.

A gente cresce e sabe que o tempo é um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho, que ele não para, e que dia sim, dia não, a gente sobrevive sem um arranhão. Mas no final das contas crescer é poder reconhecer que cresceu sem ao menos ter prestado atenção no processo todo e se dá conta de que não é possível voltar no tempo. Mas é também o processo de reconhecimento de si mesmo de tomar as rédeas da prórpia vida e decidir tudo sem ajuda de universitários.

Crescer faz crescer a nostalgia pelo período que passou, mas o período que está sendo será saudade dentro em breve. Por isso, eu reconheço que cresci e estou feliz aqui, com meus filhos, meus discos, meus amores e meus livros e nada mais.

3 comentários:

eurídice disse...

crescer dói. virar adulta tem sido um processo muito mais doloroso do que passar da infância à adolescência foi para mim. já disse no meu post. e adorei teu contraponto aqui. bjs.

Mulher da Peste disse...

Valha, valha! Será uma crise generalizada dos "chegando aos 30"? Me identifiquei totalmente com o teu post.

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado